Entre a fuga e a validação, um olhar filosófico sobre o vazio contemporâneo nas redes sociais, e a liberdade de viver o que não precisa ser postado.

Como seria a sua vida se você simplesmente deixasse de compartilhar tudo nas redes sociais? Sem postar o almoço do aniversário, sem exibir a viagem com os amigos, sem registrar o pôr do sol perfeito. Como seriam essas experiências, o almoço, a viagem, o instante, se permanecessem apenas suas? Ainda assim teriam valor?

Vivemos um tempo em que a experiência só parece real quando é observada. O mundo virou um grande espelho, e nós, reflexos buscando aprovação. Mas e se, de repente, o espelho se apagasse? Quem seríamos quando ninguém estivesse olhando? Quais sentimentos teríamos?

O espelho digital e o novo narcisismo

As redes sociais transformaram o ato de existir em um espetáculo contínuo. A vida se tornou uma performance pública, e o “eu” um personagem em busca de aplausos. Nos reconhecemos não mais pelo que sentimos, mas pelo que o outro vê — ou, pior, pelo que o outro curte.

O espelho digital é como o de Narciso: devolve uma imagem idealizada, que amamos e perseguimos, mas que nunca nos pertence. Nele, confundimos presença com visibilidade e autenticidade com engajamento. Passamos a existir na medida em que somos notados, e a desaparecer quando o silêncio toma conta do feed.

Entre a fuga e a validação

Por que precisamos tanto tornar público o que vivemos? A resposta talvez esteja na antiga necessidade humana de ser visto. Desde crianças buscamos aprovação, dos pais, dos colegas, dos amores, mas o mundo digital transformou essa busca em um vício coletivo.

Vivemos oscilando entre dois extremos: a fuga e a validação. Fugimos da realidade mergulhando em telas que distraem da dor, e buscamos validação expondo uma versão editada de nós mesmos. Essa oscilação lembra o pêndulo de Schopenhauer: a vida se move entre o desejo e o tédio, entre o prazer efêmero e o vazio que o sucede. Nas redes, esse movimento é infinito, cada curtida traz alívio, mas logo nasce a fome pela próxima.

A felicidade definida por algoritmos

Você já percebeu o que acontece logo após uma postagem? A respiração muda, o olhar busca o contador de interações, a mente se inquieta. Esperamos pelos sinais de aprovação como quem espera por um diagnóstico. Cada like é uma dose de dopamina. Cada ausência, um pequeno abismo.

Schopenhauer dizia que a liberdade é a libertação das influências externas e naturais. No nosso tempo, porém, somos guiados justamente por elas, mediadas por algoritmos. Eles ditam o que desejamos, o que invejamos, o que acreditamos ser felicidade. Assim, deixamos de viver a partir da vontade genuína e passamos a existir pela vontade programada.

Ficamos presos a um ciclo de desejos fabricados: consumimos para preencher o tédio, postamos para preencher o vazio. No intervalo entre um estímulo e outro, o silêncio se torna insuportável.

O preço de existir para ser visto

A lógica do “posto, logo existo” cobra caro. Pagamos com ansiedade, dependência, comparações e solidão. Tornamo-nos especialistas em produzir versões de nós mesmos, mas analfabetos em sentir. Conectados a tudo, e desconectados de nós.

A dopamina virou o combustível da alma moderna: prazer rápido e volátil, logo substituído. A vida se fragmentou em segundos de atenção; o tempo profundo foi trocado por notificaçõe. A liberdade, que deveria nos aproximar da essência, virou prisão invisível, feita de telas e algoritmos.

A liberdade de não postar

Talvez a verdadeira libertação não esteja em abandonar as redes, mas em recuperar o poder de escolha. Escolher o que merece ser mostrado, e o que deve permanecer sagrado. Escolher viver momentos que não precisam ser provados, medidos ou curtidos.

Há beleza nas experiências silenciosas: aquelas que só você viu, só você sentiu, só você sabe que existiram. Elas não precisam de plateia, porque são inteiras em si mesmas.

Entre o desejo de ser visto e o medo de desaparecer, habitamos o espelho digital. Talvez o sentido da vida esteja justamente ali, no reflexo que ninguém vê: naquilo que é vivido, mas não postado; real, ainda que invisível.

“Entre o desejo de ser visto e o medo de desaparecer, habitamos o espelho digital, onde o reflexo vale mais que a existência.”

Talvez o primeiro passo para reencontrar a essência seja aceitar o silêncio. É nele, longe das curtidas, longe do reflexo, que a existência volta a ser real e apenas nossa.

Fim.

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Durante muito tempo, me ensinaram que o trabalho era o eixo da vida, a medida do meu valor, o caminho para a realização, o meio de conquistar respeito e segurança. Mas percebo que há uma distorção silenciosa nisso tudo. Trabalhar passou a ser um fim, e não mais um meio. E quando o meio se transforma em fim, o sentido se perde.

Você já pensou que está trabalhando de graça para marcas, artistas e influenciadores? Na era da uberização digital, likes viraram recompensa e a aprovação social substituiu o salário. Enquanto você se esforça por visibilidade, empresas lucram com seu tempo, imagem e atenção. O que era lazer virou obrigação e o que parecia conexão virou cobrança disfarçada.

Vamos conversar? Dê o primeiro passo.

Na era digital, a diferença entre se destacar e ficar para trás está a apenas um clique de distância

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